Overhead view of young businessman and woman looking at notepad while sitting at office lobby. Coworkers discussing new business project.

Como levar sua empresa familiar a 5 geração e além!

A governança familiar é um pilar essencial para a longevidade e sustentabilidade das empresas familiares. Ela oferece um conjunto estruturado de práticas e regras que orientam as relações entre sócios, familiares e gestores, promovendo harmonia, alinhamento estratégico e profissionalização da gestão. Ao definir papéis claros, estabelecer instâncias de decisão e fortalecer a comunicação entre os membros da família, a governança contribui para reduzir conflitos, preservar o patrimônio e garantir a continuidade do legado empresarial.

Entretanto, a ausência de uma governança bem estruturada tem impacto direto na taxa de sobrevivência dessas empresas ao longo das gerações. Segundo estudos de mercado, apenas cerca de 30% das empresas familiares conseguem passar para a segunda geração, e menos de 13% sobrevivem até a terceira. Esses dados refletem os desafios enfrentados na sucessão, na tomada de decisões e no equilíbrio entre interesses familiares e empresariais.

Diante desse cenário, adotar mecanismos de governança familiar — como conselhos de família, protocolos familiares e planejamento sucessório — torna-se um diferencial competitivo. Mais do que preservar o negócio, trata-se de garantir que os valores, a cultura e os objetivos da família empresária sejam transmitidos de forma estruturada, gerando prosperidade não apenas para as próximas gerações, mas também para a sociedade e o mercado em que atuam.

A seguir listamos os principais componentes de uma estrutura de governança familiar bem fundamentada:

a) Constituição Familiar


Definição: A constituição familiar também é conhecida como “Credo Familiar”, “Protocolo Familiar”, “Declaração de Princípios da Família”, “Regras e Valores Familiares”, “Regulamento Familiar” ou “Plano Estratégico Familiar”. Trata-se de uma declaração dos princípios que expressam o compromisso da família com os valores centrais, a visão e a missão do negócio. A constituição também define os papéis, a composição e os poderes dos principais órgãos de governança do negócio: membros da família/acionistas, a gestão e o conselho de administração. Além disso, estabelece as relações entre esses órgãos e como os membros da família podem participar de forma significativa na governança da empresa.

A constituição familiar é um documento dinâmico, que deve evoluir à medida que a família e o negócio se transformam. Por isso, é necessário atualizá-la regularmente para refletir eventuais mudanças na estrutura familiar e/ou empresarial.

Componentes: A forma e o conteúdo de uma constituição familiar variam conforme o tamanho da família, seu estágio de desenvolvimento e o grau de envolvimento dos membros no negócio. No entanto, uma constituição familiar típica aborda os seguintes elementos:

  • Autoridade, responsabilidades e relações entre a família, o conselho e a alta gestão.
  • Valores familiares, declaração de missão e visão.
  • Instituições familiares, como assembleia da família, conselho de família, comitê de educação, escritório da família, entre outros.
  • Políticas sobre temas importantes para a família, como emprego de familiares, transferência de ações, sucessão do CEO, entre outros.
  • Conselho de administração.
  • Alta gestão.

a.1) Políticas de Emprego para Membros da Família

Uma das áreas mais importantes da constituição familiar é a definição de políticas claras de emprego para membros da família. Muitas empresas familiares que não estabelecem essas diretrizes acabam contratando mais parentes do que o necessário, o que pode resultar em colaboradores sem o perfil adequado para as funções que ocupam. Em situações ainda mais críticas, algumas famílias empresárias acabam adquirindo negócios sem relação com a atividade principal ou mantendo unidades deficitárias apenas para garantir empregos para todos os membros da família.

Ao alcançar a fase de sociedade entre irmãos, é fundamental que a família formalize suas políticas de emprego para os parentes. Isso envolve a criação de regras claras sobre os termos e condições para entrada, permanência e saída dos membros da família no negócio. A política também deve definir como será feito o tratamento dos funcionários familiares em relação aos colaboradores que não pertencem à família, promovendo um ambiente mais justo e profissional.

O conteúdo dessas políticas varia de empresa para empresa, pois não existe um modelo único que sirva para todas as famílias empresárias. Algumas proíbem completamente a contratação de parentes; outras permitem, desde que sejam atendidos critérios como nível mínimo de escolaridade, experiência profissional prévia e faixa etária. Ao desenvolver sua política, a família deve priorizar regras e processos que garantam a atração e retenção dos profissionais mais qualificados — sejam eles familiares ou não. Também é essencial que as condições de trabalho sejam imparciais, evitando privilégios ou discriminações, o que contribui para um ambiente de equidade e engajamento para todos os colaboradores.

a.2) Políticas de Participação Societária de Membros da Família

Para algumas famílias, é essencial definir desde cedo políticas claras sobre a participação societária. Isso ajuda a alinhar as expectativas quanto aos direitos de propriedade das cotas ou ações, como por exemplo se cônjuges ou outros familiares indiretos poderão ser ou não acionistas. Uma boa política societária também estabelece mecanismos para que os membros da família possam vender suas participações, caso prefiram liquidez em vez de manter participação no capital. À medida que o número de sócios cresce, é comum que cada um passe a deter uma fração menor das ações, o que pode gerar dividendos baixos — ou nenhum, se a empresa não distribuir lucros. Essa situação frequentemente gera frustração entre acionistas minoritários, principalmente quando comparados aos familiares que recebem salários da empresa.

Oferecer uma opção de liquidez para os acionistas pode evitar muitos conflitos e aumentar as chances de longevidade do negócio. Algumas empresas familiares criam um Fundo de Resgate de Ações, destinado a recomprar participações de familiares que desejam sair do quadro societário. Esse fundo, geralmente, é alimentado com um pequeno percentual do lucro anual.

b) Instituições de Governança Familiar

As instituições de governança familiar têm um papel fundamental no fortalecimento da harmonia entre os membros da família e na relação deles com o negócio. Ao criar estruturas organizadas como assembleias, conselhos e comitês, essas instituições promovem canais de comunicação regulares entre a família e a empresa, além de oferecerem espaços para networking, troca de experiências e debates sobre questões relevantes tanto para o núcleo familiar quanto para o empreendimento.

É essencial que os membros da família estejam bem informados sobre o propósito e as atividades dessas instituições. Além disso, é igualmente importante garantir que todos compreendam a diferença entre essas estruturas familiares e os órgãos de governança corporativa — como o conselho de administração e a diretoria executiva. Essa distinção pode ser assegurada com a elaboração de procedimentos escritos para as instituições familiares e a ampla divulgação desses documentos entre todos os membros da família.

b.1) Assembleia da Família

Definição: Também chamada de “Fórum Familiar”, a assembleia da família é um espaço formal de discussão entre todos os membros da família sobre temas relacionados ao negócio e à própria família. Na fase em que o fundador ainda lidera a empresa, esse papel costuma ser exercido por reuniões familiares informais e frequentes, nas quais são transmitidos os valores da família, discutidas novas ideias de negócios e iniciada a preparação da próxima geração de líderes. À medida que a família cresce e o negócio se torna mais complexo — passando para as fases de irmãos e primos —, torna-se essencial instituir uma assembleia familiar formal.

Objetivo: Reunir os membros da família para refletir sobre assuntos de interesse comum, tanto familiares quanto empresariais. A assembleia familiar permite que todos se mantenham informados sobre questões do negócio e tenham espaço para expressar opiniões sobre o desenvolvimento da empresa e outros temas relevantes. Essas reuniões ajudam a prevenir conflitos decorrentes de desigualdades no acesso à informação e aos recursos.

As assembleias familiares normalmente ocorrem uma ou duas vezes por ano e abordam temas como:

  • Aprovação de políticas de emprego e remuneração de familiares;
  • Educação dos membros da família sobre seus direitos e responsabilidades;
  • Eleição dos membros do conselho de família;
  • Eleição de integrantes de outros comitês familiares;

Composição: Em geral, as assembleias são abertas a todos os membros da família. No entanto, algumas famílias optam por estabelecer restrições, como idade mínima para participação, regras quanto à presença de cônjuges e direitos de voto durante as deliberações.

Complemento da Assembleia da Família


A organização e a condução das assembleias familiares costumam ficar sob responsabilidade do patriarca da família ou de alguma figura amplamente respeitada entre os membros. No caso de famílias maiores, essa atribuição geralmente é delegada ao conselho de família, garantindo maior estrutura e continuidade nos trabalhos.

b.2) Conselho de Família

Definição: Também conhecido como “Conselho Familiar”, “Conselho Interno” ou “Comitê Executivo da Família”, o conselho de família é um órgão deliberativo eleito pela assembleia familiar entre seus membros. Sua função é tratar das questões da família relacionadas ao negócio. Costuma ser instituído quando a família atinge um porte considerável — geralmente mais de 30 membros — momento em que se torna difícil que a assembleia mantenha discussões produtivas e tome decisões de forma ágil e qualificada. Nessa etapa, o conselho surge como um órgão representativo da assembleia, responsável por coordenar os interesses familiares junto à empresa.

Objetivo: A composição, estrutura e funcionamento do conselho de família variam de acordo com as características de cada empresa familiar. No entanto, suas atribuições típicas incluem:

  • Sugerir e discutir nomes para composição do conselho de administração;
  • Redigir e revisar documentos de posicionamento da família sobre visão, missão e valores;
  • Elaborar e atualizar políticas familiares, como as de emprego, remuneração e participação societária;
  • Servir como elo principal entre a família, o conselho de administração e a alta gestão da empresa.

Composição do Conselho de Família

Assim como qualquer comitê eficaz, o conselho de família deve ter um tamanho gerenciável — geralmente entre 5 e 9 membros. Esses integrantes são eleitos pela assembleia da família, levando-se em conta suas qualificações e disponibilidade para desempenhar as funções do conselho. Algumas famílias optam por impor critérios adicionais para a participação, como idade mínima, exigência de experiência prévia e a exclusão de cônjuges ou de membros que já atuam no conselho de administração ou na alta gestão da empresa.

Uma prática recomendada é estabelecer mandatos com tempo limitado para os conselheiros, permitindo a rotatividade de membros e criando uma percepção de justiça e oportunidade igualitária entre todos os familiares.

O conselho de família deve contar com um presidente, indicado pela assembleia familiar. Esse presidente lidera os trabalhos do conselho e atua como principal ponto de contato da família. É também recomendável a nomeação de um secretário do conselho, responsável por registrar as atas das reuniões e disponibilizá-las para os demais membros da família. A frequência das reuniões varia conforme a complexidade dos temas a serem tratados, sendo comum que ocorram entre 2 a 6 vezes por ano. As decisões do conselho são, via de regra, tomadas por maioria simples entre os seus membros.

b.3) Family Office

Definição: O family office é um centro de administração e investimentos criado para atender às necessidades da família empresária em assuntos pessoais e patrimoniais. Ele é estruturado e supervisionado pelo conselho de família e costuma ser mais comum entre famílias grandes e com elevado patrimônio, cujos membros demandam apoio especializado em finanças pessoais, contabilidade, banco, investimentos e outras áreas.

Objetivo: Oferecer assessoria personalizada a cada membro da família em temas como:

  • Orientação de carreira;
  • Planejamento de investimentos pessoais;
  • Consultoria tributária;
  • Planejamento sucessório e patrimonial;
  • Outros assuntos de interesse individual dos familiares.

O family office atua como um centro de excelência para proteger, gerir e multiplicar o patrimônio familiar, além de fortalecer a profissionalização da administração dos bens privados e empresariais da família.

Composição do Family Office
O family office é uma estrutura bastante distinta da operação empresarial, ainda que alguns de seus integrantes também possam atuar no negócio. Ele é normalmente composto por gestores profissionais, responsáveis por monitorar investimentos, garantir a conformidade tributária, gerenciar seguros, planejar financeiramente os membros da família e administrar transações internas, como doações de ações e planos sucessórios.

Conclusão

Conduzir uma empresa familiar até a 5ª geração e além não é obra do acaso — é fruto de visão, estrutura e compromisso com o legado. A governança familiar bem implementada não apenas protege o patrimônio construído, mas fortalece os laços entre os membros, alinha propósitos e sustenta o crescimento em um ambiente de respeito, transparência e profissionalismo. Cada geração que se prepara com consciência e estratégia abre caminho para que as próximas floresçam com mais autonomia e sabedoria. Investir hoje em governança é semear o futuro — um futuro duradouro, próspero e fiel à essência da família empresária.         

Por Ricardo Teixeira

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